12 de Dezembro de 2012
60 – UM SONINHO
DESCANSADO
O grande buldogue foi
derrotado.
A notícia da vitória de
João Miguel espalhou-se com rapidez pelo reino de Okatonga, e depressa chegou à
capital.
Os habitantes da
cidadela começam a sair às ruas para festejar o grandioso feito de João Miguel:
- VITÓRIA! VITÓRIA! Os
nossos reis vão ser libertados! Okatonga voltará a ser vibrante e luminosa!
VITÓRIA, VITÓRIA! – grita o povo com alegria.
Em Okatonga mais
ninguém voltará a sentir medos, a ter receios ou a suspeitar de alguém.
Os muros e a extensa
muralha da cidadela serão destruídos pois deixaram de fazer sentido. Foram
mandados construir para impedir possíveis fugas da capital. Mestre Tino e os
seus ministros obrigavam a população a trabalhar para si, e ninguém podia
desobedecer às suas estranhas ordens.
Mas tudo isso terminou
agora que o João Miguel conseguiu cumprir a sua missão.
*
Os céus do reino de
Okatonga enchem-se de pássaros. As aves carregam às costas os soldados-sapos,
que também desejam festejar. A grande coruja Beatriz segue no meio do
monumental bando com Esmeralda às costas, e o valente sapo Renato segue
encavalitado num imenso albatroz.
Papagaios, falcões,
pombas, mochos, águias, cegonhas, andorinhas, milhafres, centenas de corujas e
muitos outros pássaros de mil espécies juntaram-se nos ares para testemunharem
a entrega da chave da liberdade ao menino aprendiz de alquimista.
Sarmento também
regressa à cidadela, contentíssimo com a façanha do menino de pijama:
- Nunca duvidei do
rapaz, nunca! Os seus olhos brilham como a estrela da noite e as suas palavras
são ditas com uma convicção ímpar. No coração do menino habita a verdade e a
coragem dos justos. Hoje é um grande dia para o nosso reino! – exclama o
vaidoso gato-guarda.
Todos se dirigem para o
farol dos jardins reais. É ali que se vai realizar a cerimónia de entrega das
chaves a que ninguém deseja faltar.
*
O buldogue ditador está
nervoso.
Perder era algo que ele
não concebia, e a derrota aconteceu porque Tino menosprezou este menino tão
novo de aparência franzina. Foi por isso que ficou ainda mais transtornado.
De súbito, num impulso
imprudente, Mestre Tino levanta a tampa da caixa de escaravelhos que mantém
junto a si. De imediato saltam do seu interior milhares de escaravelhos. O
buldogue, a raposa Judite, o gato Medina, o macaco Isidoro e os gatos Amora e
Aroma ficam tapados pelos insetos que trepam por eles acima. O jacaré Dom
Raimundo, a aranha Suzete e o coronel-sapo também acabam por ficar cobertos de
escaravelhos. Os ministros de Tino e o buldogue ditador estão transformados em
estátuas feitas de insetos, com exceção de Belchior, que tem os olhos vidrados
de medo e o corpo a tremer como uma gelatina acabada de desenformar.
Um, dois, três, quatro,
eis o triste resultado
Cinco, seis, sete,
oito, de ser um bicho malvado
Nove, dez, onze, doze,
o corpo fica fechado
Um, dois, três, quatro,
vou também desaparecer
Cinco, seis, sete,
oito, assim tem de acontecer
Nove, dez, onze, doze,
para a história renascer
O coelho Belchior
transforma-se numa estátua de escaravelhos cintilantes.
Antes do menino conseguir
dizer alguma coisa, os insetos regressam ao interior da caixa tão depressa como
surgiram.
Quando o último dos bichos
rastejantes se prepara para desaparecer, Esmeralda surge a correr por detrás do
farol, salta-lhe para cima e esmaga-o com o pé direito, para grande espanto do
João Miguel.
A menina fecha a caixa
de imediato, com a chave dourada que caíra da boca de Mestre Tino, dando duas
voltas à fechadura.
Todos os pássaros, o
exército de sapos e Dona Beatriz sorriem de contentamento com o que acaba de
acontecer.
- Olá João Miguel!
Mestre Tino e os seus ministros nunca mais nos vão incomodar. - diz Esmeralda
com convicção. – Enquanto esta caixa permanecer fechada, mal algum cairá sobre
Okatonga, e todos os habitantes vão poder viver em paz!
- E agora? – pergunta o
menino.
- Toma, João Miguel. –
responde Esmeralda estendendo-lhe a caixa. – Este é o teu prémio. Sobe as
escadas do farol, usa a chave dourada para libertares os reis do nosso reino.
Tu decidirás se ficas com a caixa como recordação da aventura, ou se a devolves
ao rei Alberto, para ele a guardar em lugar seguro. Mestre Tino preferiu
abri-la para não ter de te entregar a chave dourada, conforme mandam as regras.
O tirano nunca foi derrotado, e preferiu, por isso, agir dessa maneira.
- Então, isto que
aconteceu, foi apenas um jogo? O que teria acontecido se eu não tivesse chegado
a tempo às masmorras reais? – pergunta João Miguel com surpresa.
A resposta é dada de
imediato, pela bonita Esmeralda:
- O mesmo que aconteceu
a Mestre Tino e aos ministros. Os escaravelhos teriam saído da caixa para te
cobrir. Ficarias transformado numa estátua de insetos, que depois desapareceria
de regresso a essa caixa de madeira que acabei de te entregar. Serias tu quem
agora estaria dentro dela, e não aqueles que derrotaste, e o reino de Okatonga
teria desaparecido para todo o sempre.
O menino ficou muito
vermelho, apesar de sentir alguma vaidade por ter vencido o feroz ditador, e
experimenta uma ponta de tristeza pelo desaparecimento de animais tão
fascinantes.
- Vai, João Miguel, não
esperes mais! Sobe as escadas e liberta os nossos reis! Zebedeu já sabe tudo
acerca do teu grande triunfo, e está muito feliz. A ele se fica a dever a tua
vinda a Okatonga. Só ele sabia quem podia salvar os nossos reis e tornar-se no
mais fantástico aprendiz de alquimista de todos os tempos. – explica a menina
da floresta.
Esmeralda abraça João
Miguel com grande carinho, dá-lhe um beijo apaixonado, e torna-se invisível
pela última vez.
- ESMERALDA! ESMERALDA,
espera por mim, onde estás? Deixa-me olhar para ti, não desapareças assim tão
depressa. Esmeralda, ESMERALDA! – grita o menino.
Mas a menina não
regressa, nem lhe deixa qualquer pista.
*
Falta-lhe apenas subir
os duzentos e vinte e dois degraus do farol para libertar os reis caracol. Mal
começa a subida da escadaria de pedra, logo o seu coração bate mais depressa.
Ao chegar ao cimo, os
degraus começam a parecer-lhe tão familiares.
Os degraus que o menino
agora sobe já não são do farol.
João Miguel não reparou,
mas as escadas de pedra transformaram-se nas escadas da sua própria casa,
quando faltavam menos de dez degraus para chegar ao topo.
*
O menino alcança, sem
dificuldade, o corredor do primeiro piso de sua casa, onde fica o seu quarto, o
quarto da mãe e o quarto da avó Dulce. O topo do farol, onde ele esperava
encontrar a prisão envidraçada dos reis Alberto e Alberta, é o corredor anexo
aos quartos.
A caixa de madeira
continua bem apertada nas mãos, as botas militares estão calçadas, ainda
húmidas, o pijama está rasgado e roto nos dois joelhos e o saco de pele do anão
Zebedeu continua a tiracolo. Se assim não fosse, era-lhe impossível afirmar que
Okatonga existe, de verdade, dentro do saco invisível das histórias da mãe. É lá
que se esconde esse reino mágico, misterioso, fascinante e colorido.
- Nem pensar dizer uma
só palavra acerca disto à mãe! – pensa o menino ao avançar, sem ruído, até à
porta do seu quarto.
Entra devagar,
devagarinho, descalça-se e guarda a caixa, o saco de cabedal, e as botas pretas,
debaixo da cama junto à grande coleção de legos que lá habita.
Com um sorriso luminoso
como o sol, deita-se, tapa-se, e fica muito quieto, por instantes, a sentir
todo o aconchego da cama.
- Esta é mesmo a minha
casa e este é mesmo o meu quarto! – desabafa com satisfação.
Antes de fechar os
olhos, jura ter escutado o coaxar do sapo Renato, do lado de fora da janela,
junto ao choupo, a dar-lhe as boas-noites e a desejar-lhe um soninho
descansado!
QUACH!!!!!!!!